Hoje estivemos a ver a bibliografia de António Torrado e lemos um texto do autor.
António Torrado nasceu em Lisboa (1939), mas com raízes
familiares na Beira Baixa. Poeta, ficcionista, dramaturgo, é, por excelência,
um contador de histórias, estando muitos dos seus livros e contos traduzidos em
várias línguas. Escreveu mais de 120 obras, onde sobressai a literatura para
crianças.
Depois de conhecermos o autor, lemos o texto
"Um Tostão para o Santo António"
Andava
um garoto na rua a pedir um tostãozinho para o Santo António. Uns davam, outros
não.
Até que passou por ele um senhor de
sobretudo comprido, até aos pés, e de sandálias, vejam bem. E se estava frio!
O garoto, cá de baixo, reparou no
desconcerto, mas não deu importância.
-
Dê-me um tostãozinho para o Santo António… - pedinchou.
-
Tanto andas tu a pedir como eu. Hoje ainda não me deram nada. – lamentou o
senhor de sobretudo castanho todo esfarrapado.
-
A mim já. – respondeu o garoto – Quer ver? – perguntou, mostrando umas tantas
moedas na palma da mão.
O
mendigo contou-as.
-
Davam e sobravam para pagar uma sopa e um pão, ali, na taberna da esquina –
Observou o mendigo.
-
Mas eu não tenho fome! – exclamou o garoto. A minha mãe deu-me de almoçar,
ainda agora.
-
Pois a minha mãe já morreu. – suspirou o senhor mendigo – Deve ser por isso que
ainda não comi nada, hoje… - lamentou.
O
mocinho olhou para o homem, a certificar-se se seria verdade o que ele dizia.
Os olhos tristes do mendigo garantiram-lhe que sim.
-
Este dinheiro era para eu comprar berlindes… - suspirou o garoto.
-
Mas tu, há bocadinho, não pedias para o santo António? – admirou-se o homem de
sandálias.
-
É um costume. Quero eu lá saber do Santo António! É tudo para os berlindes. –
disse o garoto a rir.
O
mendigo não estranhou a revelação.
-
Ainda tenho hoje muito que andar. Adeus e boa colheita. – despediu-se o senhor.
O
rapazinho viu-o descer a ruela, num passo cansado. Então, num impulso, correu
atrás dele e puxou pela ponta da corda, que o homem trazia à roda da cintura, e
disse:
-
Tome lá para um pão e para uma sopa. Mas não vá ali àquela esquina, que são uns
mal-encarados. Na outra rua abaixo, há mais onde comer.
O
homem de sandálias e sobretudo roto, que lhe dava um ar de frade de
antigamente, agradeceu as moedas e o conselho e seguiu caminho.
O
garoto voltou ao seu poiso. E quando, pouco depois, porque estava frio, meteu
as mãos nos bolsos, encontrou-os atulhados de berlindes…
António Torrado, O
mercador de coisa nenhuma, Livraria Civilização Editora
(Texto adaptado)